Dar uma resposta educativa aos
alunos de 13 anos com maiores dificuldades do ensino regular parece ser o
objetivo da criação da nova modalidade vocacional. Na União Europeia a discussão
sobre a criação de cursos vocacionais faz-se em torno das suas consequências
sociais para os alunos: inclusão ou exclusão?
Cerca de 50% dos alunos dos países
da União Europeia escolhem vias profissionais e profissionalizantes, ou seja,
vocacionais. Mas a percentagem reflete alunos que por dificuldades de
aprendizagem saíram das vias regulares, garantem os especialistas nesta área.
Estes cursos são sinónimo do prestígio e qualidade de ensino atingida lá
fora. Portugal tem figurado nas estatísticas como detendo mais
alunos a frequentar o ensino geral em detrimento do profissional. Mas o cenário
pode vir a mudar.
O início do ano letivo de 2012/2013 foi marcado
pela criação da modalidade de ensino vocacional no 2.º e 3.º ciclos. Segundo
dados do CEDEFOP, organismo europeu que monitoriza a educação e formação de
adultos, na maioria dos países da EU, estas vias de ensino são introduzidas ao
nível do secundário superior (10.º, 11.º, 12.º anos) e, em menor número, no
secundário inferior (7.º, 8.º, 9.º anos).
Por cá, o Decreto-Lei n.º
139/2012, de 5 de julho, estabeleceu os princípios orientadores desta nova
oferta formativa que funcionará este ano letivo enquanto experiência-piloto em
12 escolas pública e privadas do país. Mas o objetivo do Ministério da Educação
e Ciência (MEC) é alargar a oferta a outros agrupamentos a partir de
2013/2014.
Opção ou
punição?
O ensino básico vocacional foi
pensado para os alunos a partir dos 13 anos de idade que, segundo o diploma,
"manifestem constrangimentos com os estudos do ensino regular e procurem uma
alternativa a este tipo de ensino". Em especial, os "alunos que tiveram duas
retenções no mesmo ciclo ou três retenções em ciclos diferentes". Mas a opção de
fazer do ensino vocacional uma alternativa para os alunos repetentes tem
levantado muitas dúvidas entre os especialistas da educação. A questão é
simples: poderão outros alunos com sucesso escolar também optar por esta
via?
Mesmo para quem tem
"constrangimentos" nos estudos, o encaminhamento não é obrigatório e exige o
acordo dos pais, garante o MEC. Ainda assim, só pode ser feito após "um processo
de avaliação vocacional, por psicólogos escolares, que mostre ser esta a via
mais adequada às necessidades de formação dos alunos", diz o
diploma.
Entretanto, em comunicado na sua
página oficial, o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Telmo Mourinho Baptista,
alertou para a possibilidade de a oferta ser mal recebida: "Caso os cursos sejam
percecionados pelos alunos, pelos pais e pela comunidade como um elemento
punitivo do insucesso escolar, a medida corre o risco de se tornar prejudicial."
E frisou a importância do envolvimento dos psicólogos para garantir que tanto os
pais como os alunos estejam "devidamente informados sobre as várias alternativas
de ensino e respetivas implicações na vida escolar profissional e dos
jovens".
Do lado das escolas, os diretores
reclamaram há semanas junto do ministro Nuno Crato, mais autonomia na decisão
sobre quais os alunos a encaminhar para o ensino vocacional e a deixar seguir o
regular. Em declarações ao Diário Económico, o coordenador do Conselho de
Escolas, Manuel Esperança, pediu "vontade política" para entregar às direções
das escolas a responsabilidade da orientação do aluno e sugeriu a criação de
"critérios nacionais" que impeçam a frequência do ensino regular a alunos que
não tenham aproveitamento às disciplinas de Português e Matemática ao longo de
vários anos letivos.
Currículo geral e prática
simulada
Tanto no 2.º como no 3.º ciclos, o
plano de estudos do ensino básico vocacional é modular e contempla disciplinas
de formação geral (Português, Matemática, Inglês e Educação Física),
complementar (História e Geografia, Ciências Naturais, Físico-Química e uma
segunda língua, não obrigatória, apenas no 3.º ciclo) e vocacional (atividades
vocacionais e prática simulada).
Em termos de carga horária, a
formação geral terá um total anula de 400 horas efetivas, no 2.º ciclo e de 350
no 3.º ciclo. As disciplinas complementares perfazem um total de 130 e 180, em
cada um dos ciclos, respetivamente. Por último, a componente vocacional terá em
ambos os ciclos uma duração de 360 horas dedicadas às atividades vocacionais e
210 horas para a prática simulada, preferencialmente, em empresas.
Das três componentes, a vocacional
será, porventura, a que levantará mais dúvidas aos pais e alunos. É também a que
distingue estes cursos e a que apresenta menos definições legais. Ao definir o
objetivo da criação desta modalidade, o MEC esclarece no decreto-lei que esta
deve levar os jovens a "desenvolver capacidades práticas que facilitem
futuramente a sua integração no mundo do trabalho".
Sem duração fixa estabelecida, o
diploma estabelece que os cursos devem ser adaptados "ao perfil de conhecimentos
do conjunto de alunos" que neles estiver reunido. Caberá às escolas escolher o
tipo de atividades vocacionais destes cursos, "desde que cumpridas as metas e
perfis de saída". Qualquer que sejam as ofertas, o MEC pretende que "se
articulem as necessidades e expectativas [do aluno], com os projetos educativos
da escola e com as características do tecido empresarial".
Retorno ao nível geral de
ensino
Na União Europeia, muita da
discussão em torno do ensino vocacional se faz tendo em conta o grau de
integração que esta via proporciona no nível de ensino geral e a possibilidade
de continuação dos estudos no ensino superior, garante o CEDEFOP, no mais
recente relatório publicado sobre educação e formação vocacional inicial [IVET
-Initial Vocational Education and Training].
Em causa está a possibilidade de o
aluno ser transferido para o ensino geral tendo optado anteriormente por uma via
profissional ou profissionalizante (vocacional). Em Portugal, o recém-criado
ensino básico vocacional assegura o prosseguimento de estudos, mas determina
algumas regras para que um aluno possa regressar à via regular, após a conclusão
do 6.º ano e do 9.º ano.
Assim, os alunos que terminem o
6.º ano no ensino vocacional podem voltar ao regular desde que tenham
aproveitamento nas provas finais nacionais do respetivo ano. Bem mais fácil, é a
continuidade dos estudos na via vocacional. A passagem para o 7.º ano na via
vocacional não requer a realização das provas nacionais, apenas que o aluno
tenha concluído 70% dos módulos lecionados no conjunto das disciplinas da
componente geral e complementar, mas obriga a 100% de sucesso na componente
vocacional.
Já os alunos dos cursos
vocacionais que concluam o 9.º ano podem optar, para além das vias regular e
vocacional, também pelo ensino profissional. De novo, a transferência para o
ensino secundário regular implica aproveitamento nas provas finais nacionais do
9.º ano. Continuar na via vocacional no secundário (ainda sem regulamentação)
será também mais fácil. As regras são iguais às estabelecidas para o acesso ao
7.º ano: não é necessária a realização das provas nacionais, tendo os alunos
apenas de conseguir aproveitamento em 70% dos módulos geral e complementar e a
100% na componente vocacional. Por fim, a transferência para o ensino
profissional secundário implica apenas o aproveitamento a todos os módulos do
curso.
Independentemente do número de
módulos concluídos com aproveitamento, os alunos dos cursos vocacionais podem
sempre candidatar-se às provas finais nacionais.
Integração no mundo
laboral
Ligar a escola às empresas parece
ser uma condição essencial, ainda que não obrigatória, para o cumprimento dos
objetivos propostos pela criação da via vocacional. A ligação tem por finalidade
"sensibilizar os jovens para a realidade empresarial envolvente e possibilitar o
estreitamento entre os universos empresarial e escolar".
No Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5
de julho, o MEC determina que "serão estabelecidas parcerias entre as direções
regionais de educação, os agrupamentos de escolas e as escolas privadas [que
compõem já a experiência-piloto que arrancou este ano] e empresas, entidades ou
instituições sediadas na área geográfica respetiva". Do diploma para as escolas,
a importância da ligação ao mercado de trabalho vai depender da variedade dos
programas profissionalizantes oferecidos aos alunos.
Recentemente, no relatório "Os
jovens e as competências: pôr a educação a trabalhar", a UNESCO alertou para o
risco de exclusão dos alunos que optam pelo ensino vocacional. Agregar em turmas
vocacionais os alunos com insucesso escolar aumenta a desigualdade social,
garante a organização. Sobretudo pelo facto de muitos destes cursos não
agradarem aos empresários.
No relatório, a UNESCO condena
ainda a diminuição do investimento em educação na sequência da crise financeira
mundial que desde 2008 dita reduções orçamentais a vários níveis no setor
público. Por outro lado, o documento relembra que face à atual situação
económica, geradora de níveis de desemprego nunca antes registados, sobretudo
entre os jovens, aumenta a necessidade de adequar as aprendizagens escolares ao
mundo do trabalho.
Por cá, só o futuro dirá qual o
impacto do ensino vocacional na economia portuguesa. Quanto aos resultados da
experiência-piloto que decorre em 12 escolas do país, o MEC constituiu no final
de outubro um grupo de trabalho para avaliar todos os cursos. Os resultados
serão conhecidos já no final deste ano letivo.
Fonte:
Educare
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